quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Cada um sabe onde lhe aperta o sapato

Volta e meia, quando se vê alguma pessoa triste, brava ou chateada por algum motivo alguém dispara um "tem tanta gente no mundo em situação pior do que a sua, morrendo de fome", etc...Acredito que seja na intenção genuína de ajudar, de colocar o outro pra cima e tentar fazer ver o lado bom das coisas, mas também chamo a atenção para a violência implícita que existe nessa frase. Dizer que tantas outras pessoas estão em situação pior do que a sua, coloca um preço, um "valor" à sua dor - e, curiosamente, geralmente um valor menor do que as outras dores do mundo. Esse juízo de valor do quanto se deve sofrer ou lamentar por determinada coisa, do quanto se deve sentir dor, não cabe a ninguém...só cada um sabe o quanto uma unha encravada pode lhe doer e incomodar, o tanto de coisas que podem estar atreladas àquilo.
É evidente que existem outras milhares de dores, sofrimentos e situações difíceis nesse mundo. Crianças morrendo de inanição, enchentes, desabamentos, entre outros. Todas essas situações são difíceis sim, extremamente complicadas. E algumas das pessoas que passam por elas, conseguem encontrar uma forma de sorrir, de seguir adiante, de serem otimistas e felizes. Que bom! Pra outras, um divórcio repentino tira o chão debaixo dos seus pés. E ponto! São situações diferentes, dores diferentes e pessoas diferentes. Nem melhores ou piores umas das outras...apenas diferentes. E aliás, tem alguém competindo pra ver quem sofre mais, qual sofrimento é "melhor" ou mais digno?
Conheço algumas pessoas que chegam a se sentir culpadas quando não estão felizes com alguma coisa em suas vidas, quando se sentem tristes, desanimadas e "têm tudo para serem felizes". Sentem culpa por não estarem satisfeitas e contentes (como se a própria insatisfação já não bastasse, ainda há o peso da culpa). É aí que tudo embola! Justamente por essa noção empurrada goela abaixo e impregnada em nós de que "tem tanta gente em situação pior", nós literalmente damos licença e poder para que o outro nos diga o que deve nos deixar felizes, tristes, o que é digno de ser sofrido ou não. Se há um desgosto, se há uma insatisfação (seja ela qual for e de que ordem for), então não se tem tudo. Falta alguma coisa...e essa falta é real e suficiente para você. Da mesmíssima forma que a falta de comida e água é real e desesperadora para milhares de pessoas mundo afora. Nem pior, nem melhor. Até porque, cada um sabe onde lhe aperta o sapato.

5 comentários:

  1. Cara Aline, seu blog é excelente! Faço terapia há algum tempo e sempre leio textos sobre a Gestalt Terapia. Entretanto, poucas vezes encontrei textos tão consistentes e claros como os seus. Além disso, curso Psicologia e seus esclarecimentos acerca da Gestalt me ajudaram muito a compreender esta abordagem.
    Parabéns!

    Flávia Christina

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  2. Olá Flávia!
    Que bom ter esse retorno! Faço os posts sempre com muito carinho e na intenção de proporcionar questionamentos, reflexões aos leitores. Fico muito feliz em saber que isso tem acontecido.
    Seja sempre muito bem-vinda por aqui!

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  3. Obrigada, Aline, pela recepção. E pode ter certeza q eu voltarei outras vezes e já até indiquei sua página. Além de cursar Psicologia, tb sou formada em Letras e adorei as suas correlações entre Psicologia e Literatura. A poesia é o encantamento com a vida, e o que é a Psicologia senão este encantamento tb pelo ser humano?

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  4. Muito bom o texto, exatamente como eu penso. Nem melhor, nem pior, apenas diferente.

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