quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Razão e emoção

Imagino que deva ser conhecida de todos a sensação de se perceber ciente de alguma coisa, sem que no entanto, esse conhecimento interfira na maneira como se sente. Nesses momentos, é quase como se fôssemos divididos em duas partes: uma lógica, racional, que analisa os fatos concretos; e uma emocional, que sente. Nem sempre há um acordo ou sequer uma comunicação entre essas duas partes. Nós SABEMOS de algo, mas não conseguimos SENTIR dessa forma. 
É o caso da pessoa que consegue listar todas as qualidades que tem, mas que ainda assim, sente-se inferior às outras; de quem tem um incômodo muito grande para resolver e sabe qual seria a solução, mas que ainda assim, não consegue executá-la. E a lista de situações em que essa "incongruência" aparece é imensa na vida de cada um de nós. 
Essa cisão, ou melhor dizendo, essa tensão que se estabelece entre esses pólos (razão e emoção) causa um grande desconforto e sofrimento. Muitos são os que vão em busca da terapia justamente para conseguirem entender por quê não conseguem fazer essa ou aquela coisa sabendo que aquilo é o melhor? Por que não conseguem fazer diferente, sentir diferente? Mas não se perguntam o quê será que acontece naquele momento, naquela situação, para que haja essa tensão? O que acontece que não conseguem dizer o que querem dizer, agir de acordo com o que sentem, ou sentir de acordo com o que pensam e sabem ser real e verdadeiro. O que há ali? Que fechamento é necessário?
Em gestalt-terapia chamamos esse saber com sentimento de "awareness"; é aquela sensação de "cair a ficha"; quando não só nos damos conta de algo com a nossa racionalidade e com explicações lógicas, mas sentimos essas coisas. Não somente entendemos algo, mas compreendemos esse algo. É essa compreensão, esse cair de ficha que nos possibilita fluir de forma íntegra no mundo, sem que razão e emoção façam um verdadeiro cabo de guerra dentro de nós. 

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Cada um sabe onde lhe aperta o sapato

Volta e meia, quando se vê alguma pessoa triste, brava ou chateada por algum motivo alguém dispara um "tem tanta gente no mundo em situação pior do que a sua, morrendo de fome", etc...Acredito que seja na intenção genuína de ajudar, de colocar o outro pra cima e tentar fazer ver o lado bom das coisas, mas também chamo a atenção para a violência implícita que existe nessa frase. Dizer que tantas outras pessoas estão em situação pior do que a sua, coloca um preço, um "valor" à sua dor - e, curiosamente, geralmente um valor menor do que as outras dores do mundo. Esse juízo de valor do quanto se deve sofrer ou lamentar por determinada coisa, do quanto se deve sentir dor, não cabe a ninguém...só cada um sabe o quanto uma unha encravada pode lhe doer e incomodar, o tanto de coisas que podem estar atreladas àquilo.
É evidente que existem outras milhares de dores, sofrimentos e situações difíceis nesse mundo. Crianças morrendo de inanição, enchentes, desabamentos, entre outros. Todas essas situações são difíceis sim, extremamente complicadas. E algumas das pessoas que passam por elas, conseguem encontrar uma forma de sorrir, de seguir adiante, de serem otimistas e felizes. Que bom! Pra outras, um divórcio repentino tira o chão debaixo dos seus pés. E ponto! São situações diferentes, dores diferentes e pessoas diferentes. Nem melhores ou piores umas das outras...apenas diferentes. E aliás, tem alguém competindo pra ver quem sofre mais, qual sofrimento é "melhor" ou mais digno?
Conheço algumas pessoas que chegam a se sentir culpadas quando não estão felizes com alguma coisa em suas vidas, quando se sentem tristes, desanimadas e "têm tudo para serem felizes". Sentem culpa por não estarem satisfeitas e contentes (como se a própria insatisfação já não bastasse, ainda há o peso da culpa). É aí que tudo embola! Justamente por essa noção empurrada goela abaixo e impregnada em nós de que "tem tanta gente em situação pior", nós literalmente damos licença e poder para que o outro nos diga o que deve nos deixar felizes, tristes, o que é digno de ser sofrido ou não. Se há um desgosto, se há uma insatisfação (seja ela qual for e de que ordem for), então não se tem tudo. Falta alguma coisa...e essa falta é real e suficiente para você. Da mesmíssima forma que a falta de comida e água é real e desesperadora para milhares de pessoas mundo afora. Nem pior, nem melhor. Até porque, cada um sabe onde lhe aperta o sapato.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Formar de novo uma nova forma

O post de hoje começa com uma citação de Cecília Meireles: "quanto mais me despedaço, mais fico inteira e serena". Gosto do que a frase representa e principalmente, gosto de ver que algumas pessoas sabem "intuitivamente"que muitas vezes é preciso destruir algumas coisas que foram construídas durante muito tempo para que seja possível se encontrar no meio dos destroços e poeira.
Há pouco tempo um de meus clientes se queixou comigo das emoções e questões difíceis que surgiam na terapia. Lembrei dessa citação e comentei com ele que às vezes nós acabamos por fazer uma reforma na casa enquanto moramos lá. E é exatamente isso que acontece em terapia: uma reforma. Como toda reforma, faz bagunça, barulho, incomoda; as coisas que antes estavam limpas e organizadas de repente se perdem num pandemônio. Mas se for do nosso desejo viver numa casa melhor, a reforma é necessária. Caso contrário, vive-se ali...com goteiras, umidade, (in) cômodos desconfortáveis e caindo aos pedaços. 
Essa é a beleza da frase de Cecília Meireles. A sensibilidade de perceber que despedaçar-se não necessariamente é perder-se, mas pode representar justamente um encontro. Que se desfazer de coisas velhas, que nos foram empurradas goela abaixo, velhas crenças, velhas formas de lidar com as coisas, de olhar a vida e a nós mesmos, abre um espaço enorme pra que outras coisas ocupem esse lugar. Para que se possa descobrir novas formas; uma forma mais sua, que tenha a sua cara, seu jeitinho de cima a baixo e que também esteja aberta a mudar de  uma hora pra outra, se for da sua vontade. É tirar as roupas velhas e surradas do armário e abrir espaço para as roupas novas, que ficam lindas em você! Mas é aquela velha história...as "roupas" não se arrumam magicamente.