Hoje vou
falar um pouco sobre como todos nós nos maltratamos através da fantasia. Fantasia
aqui é entendida como toda e qualquer idéia que não seja comprovada/trazida à
realidade. São nossas crenças a respeito de certas situações, as várias explicações
e possibilidades que elaboramos em nossas mentes para justificar comportamentos
alheios, acontecimentos, etc.
Passamos
tanto tempo fantasiando, que muitas vezes confundimos a fantasia com o que é
real. Quando se pensa “não farei isso, não será bem visto; fulano está me
ignorando porque aquele outro dia eu agi daquela forma e ele não gostou; se eu
expuser o que sinto, o outro não irá aceitar bem”, entre outros exemplos, o que
está acontecendo é que a realidade está sendo deixada de lado. O aqui-e-agora,
o momento presente, fica imperceptível aos olhos de quem está ruminando suas
fantasias. E na grandissíssima maioria das vezes, as fantasias são “catastróficas”
e nos colocam num lugar de sofrimento, angústia, ansiedade, impotência.
Essa não
é uma ação fácil de se reconhecer,até porque serve a um propósito. As fantasias,
por mais dolorosas que sejam muitas vezes, servem como uma defesa. São defesas
de pessoas que já se machucaram muito ao exporem seus sentimentos, pensamentos,
ao se abrirem para o mundo e não se sentirem aceitas e acolhidas. Foram aprendendo
todas essas crenças que hoje sustentam suas fantasias; congelaram em situações
passadas e continuam agindo em seu modo de emergência, como se ainda hoje
precisassem ter “o pé atrás”, manterem-se céticas, objetivas, racionais, “duras”.
Na verdade, o que acontece é que quando se está nesse funcionamento
disfuncional, busca-se o tempo todo, situações e acontecimentos que confirmem
suas fantasias e crenças. O “neurótico” caminha ao encontro daquilo lhe faz
sofrer e que mantém a sua neurose. E esse não é um movimento consciente, não é
algo prazeroso (muito pelo contrário), mas é conhecido. ESSA dor, pelo menos,
lhe é conhecida; com ela ele sabe lidar de alguma forma. É aquela sensação que
aparece numa frase que talvez muitos já tenham dito ou escutado de alguém: “tá
vendo? Eu tinha razão de pensar o que eu estava pensando. Aconteceu o que eu
temia”. No entanto, o vazio que aparece quando pensa na possibilidade de que talvez
as coisas não sejam assim, traz uma ansiedade muito grande de não saber o que
virá, tira a ilusão de que é possível ter algum controle sobre as situações.
Hoje,
pensando a respeito desse tema, lembrei de um trecho de um livro que li e dizia
que “cada um recria seu mundo, diariamente,
às vezes para redimir-se, às vezes para condenar-se”. É mais ou menos
isso que as fantasias representam nas vidas de todos nós. Todos os dias nós
recriamos nosso mundo, e podemos fazê-lo lidando com a realidade – e isso significa
muitas vezes se colocar-se em situações de vulnerabilidade (que não é sinônimo
de fraqueza); verificar se aquilo que estamos percebendo e sentindo é real;
perguntar, tomar uma iniciativa, dizer o que se está sentindo/percebendo, para
que então o outro possa nos dizer o que se passa, e assim possamos sair da
fantasia e adentrar na realidade, ficar no agora. Em contrapartida, se ficamos
ruminando nossas fantasias, recriamos um mundo de condenação, em que nós mesmos
somos os carrascos e nos privamos do novo, de milhares de outras possibilidades
e de inclusive, podermos ter vivências restauradoras.