terça-feira, 20 de setembro de 2011

A história que eu-corpo conto

É impressionante como nosso corpo conta uma história a nosso respeito. Como é literalmente um espelho do nosso jeito de estar no mundo e nas relações, afinal de contas, é o instrumento que temos para estar e ser no mundo. É por meio dele que nos comunicamos, seja com a fala, um olhar, um sorriso, com as mãos, um abraço, um gesto qualquer. A verdade é que nós somos o nosso corpo (somos nosso rim, nosso pé, nossas mãos). Estamos tão impregnados dessa cultura extremamente racional, tão acostumados a desenvolver nossa lógica, tão presos à "cabeça" que todo o resto fica esquecido, anestesiado - nossa sensibilidade, fluidez, nossa leveza. Já repararam como os bebês respiram? Movimentos amplos, completos, que envolvem tórax e abdomem. Vamos aos poucos desaprendendo a respirar. A respiração torácica, aquela curtinha e presa no peito, que mal se nota que acontece, é a respiração da maioria das pessoas nos dias de hoje.
Recentemente tenho tido a oportunidade de experimentar a dança e pude começar a me dar conta mais claramente dessas coisas. Através da dança, por exemplo, pode aparecer nossa necessidade de controle e ansiedade na dificuldade em se deixar conduzir, em se entregar ao inesperado do próximo passo e às mãos de um outro alguém, nossa rigidez de movimentos, nossa insegurança. Como também há a possibilidade de nosso corpo nos mostrar nossa fluidez, força, agilidade, foco, receptividade. Todas essas coisas, que aparecem no momento da dança, não dizem respeito somente à dança, mas ao modo como nos relacionamos no mundo. Diz respeito a nós, a quem somos e como somos. A ansiedade que aparece ali, aparece em outras situações também, a fluidez e leveza que aparecem no momento da dança, também fazem parte de quem somos e com certeza se manifestam em outras situações da nossa vida cotidiana.
Volto a citar uma frase de Fritz Perls que já citei outras vezes e diz: "esqueça a razão e recupere os sentidos". Quando a razão entra na dança, geralmente erramos os passo; tropeçamos em nosso próprios pés. E no entanto, quando nos deixamos sentir a música, a condução, o momento presente, o que nosso corpo nos mostra e tem vontade de fazer, tudo flui. Executamos passos que nunca aprendemos com a razão e a explicação.
Nossas dificuldades, entraves, podem ser percebidos e trabalhados também com e no nosso corpo. Por muito tempo cultivou-se a idéia de que é com a razão e a praticidade que se resolve e compreende tudo, mas o fato é que nós somos corpo-mente (e não corpo e mente); somos uma unidade, sentimos, falamos com cada párticula do nosso ser. Negligenciar isso é de uma violência sem tamanho para com nós mesmos.
Então proponho àqueles que puderem e quiserem, que busquem alguma atividade física não-mecânica (levantar peso não servirá a esse propósito) e tentem sentir e olhar pra esse espelho, e ouvir o que o seu corpo tem a dizer a seu respeito.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O fazer do psicólogo

O post de hoje é mais direcionado aos meus colegas de atuação, mas nem por isso menos importante para todos nós em nossas diversas relações cotidianas. 
Ser psicólogo e psicoterapeuta não é tão fácil como muitos podem pensar que seja. A escuta, para que seja realmente uma escuta, deve ser livre de pré-conceitos e julgamentos. A Gestalt-terapia tem um cuidado todo especial para que essa escuta aconteça. 
O falar desenfreado de um determinado paciente não o encaixará num rótulo de histeria, aquele paciente que passa sessão atrás de sessão falando de amenidades, artes, música, cultura, não é "um paciente que está fugindo ou se esquivando de algo", o silêncio nem sempre é algo que necessita ser preenchido. Não há regras, não há generalizações. Todos esses comportamentos por parte de nossos clientes, dizem coisas, sim. Dizem do modo de eles funcionarem no mundo, nas relações, dizem de suas necessidades. Nossa tarefa, enquanto psicólogos, acredito eu,  não é colocar um rótulo imediato às ações e comportamentos de nossos pacientes e a partir disso, congelá-los naquela posição de "histéricos", "deprimidos", "arredios", etc. É preciso estarmos atentos e ouvir não somente as palavras, mas o que está sendo dito com o corpo, com os olhos, com a forma com que nosso paciente se relaciona conosco.
Aquele que vem à consulta e passa seu tempo falando de amenidades está escolhendo passar aquele momento assim. Talvez esse seja o único momento do seu dia, da sua semana, em que pode conversar com alguém sobre essas coisas. O paciente que fica uma hora inteira em silêncio talvez não tenha fora do consultório espaço para ouvir seus próprios pensamentos. A demora para que a terapia comece a "deslanchar" talvez traga em si um pedido de "vá com calma comigo, eu preciso sentir aonde estou pisando, preciso confiar em você".
Lembro de certa vez ter ouvido um conto que falava de uma índia da tribo xingú que estava à beira de um rio fazendo vasos de barro. A cada vaso que terminava, seu filho pequeno que estava com ela pegava o vaso e o estilhaçava no chão. Isso aconteceu seguidamente, até que uma observadora perguntou porque a mãe não fazia nada a respeito. E ela respondeu: "se ele precisa quebrar os vasos, eu preciso continuar a fazê-los". Acredito que muito do fazer do psicólogo seja desempenhar papel muito parecido com a mãe da tribo xingú.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Um mundo, muitos olhares


É incrível como às vezes um mesmo fato, um mesmo comportamento por parte de uma pessoa para com outra gera sentimentos, interpretações e até mesmo todo um modo de ser no mundo diferentes. Irmãos criados pelos mesmos pais, podem perceber um mesmo comportamento deles de formas tão singulares... todo o amor e respeito que eles dão podem ser sentidos por um como sufocante, superprotetor e pelo outro como falta de afeto, descaso. O que quero dizer é que a lente que usamos para enxergar o mundo afeta, e muito, nossa relação com esse mundo, o modo como nos construímos. Aquela passa a ser a nossa realidade, a nossa verdade, e sentimos  essa realidade tão fundo, com cada partícula do nosso ser. Mas, quando usamos um desses óculos de visão noturna, por exemplo, e vemos tudo preto e verde, significa que o mundo é assim? Aquilo que vemos é a realidade absoluta ou seria apenas a nossa realidade sentida (mas não menos real), momentânea, percebida através de um filtro (nesse caso os óculos de visão noturna)?
Questionar isso, questionar nossos filtros, acredito que traga toda uma compreensão diferente das coisas. Porque quando temos claro que temos um filtro a tudo aquilo que ouvimos, vemos, sentimos, que temos uma bagagem que é nossa e que afeta nossa forma de perceber o mundo e as coisas, nós assumimos para nós a nossa responsabilidade em tudo isso. Responsabilidade - habilidade de responder - nossa implicação naquilo que nos acontece, em como nos relacionamos com o mundo e como o mundo se relaciona conosco. 
Se acreditamos piamente que tudo aquilo que sentimos e vemos vem unicamente de fora, do mundo externo, de como os outros são, como os outros agem conosco, etc., nos colocamos num lugar de extrema impotência, vulnerabilidade e sem escapatória. Mas quando nos damos conta da nossa parte nisso, nos "empoderamos" das coisa que nos acontecem e da nossa vida. Temos uma escolha, podemos decidir o quê fazer com aquilo.