terça-feira, 31 de maio de 2011

Para refletir

Esse texto chegou até mim. Achei as reflexões simples e profundas e por isso, divido aqui alguns trechos do texto com vocês - é longo, mas vale à pena. Possamos todos "estourar" como as pipocas!
Pipoca (Rubem Alves)
  "A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido. Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.
  Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.

  Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.
  É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.  "Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.
Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar. (...) São aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca e macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo. Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira..."
 

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O contexto de cada um

  Já falei em outros posts  sobre como as coisas que nos impactam nos outros dizem de nós. Hoje a idéia é refletir sobre como o modo de agir, pensar do outro diz dele.(vide Projeção I,II,II e IV e O caminho do meio)
  Na gestalt-terapia existe o conceito de campo, que é definido como uma totalidade de acontecimentos que se interelacionam. É um todo, formado de várias partes que se interelacionam - "o todo é diferente da simples soma das partes". Se uma das partes desse todo, desse campo, se altera, todo ele muda. 
  De acordo com a teoria de campo, uma pessoa só pode ser compreendida levando-se em consideração o contexto (campo) onde está inserida. Estamos inseridos em não só um, mas em vários todos, que podem ir se ampliando ou afunilando, dependendo de como olhamos para eles: você  é parte do todo que é sua família, que é parte do todo que é sua cidade e assim por diante.
  Tendo isso em mente, quando alguém se coloca de determinada forma, age, fala, se expressa de forma a causar aprovação ou desaprovação do meio, em ambos os casos, sua maneira de ser diz não somente dela, mas do campo no qual ela está inserida e de como ela o percebe. Irmãos gêmeos idênticos fazem parte de um "mesmo" campo, mas cada um assimila, sente e o significa de um jeito. Ao passo que um pode ter percepções otimistas frente à vida, o outro pode perceber a vida de modo mais duro, pessimista; o campo é o mesmo, mas as partes que o constituem se interelacionam de forma diferente para cada um deles, formando um todo único.
  A importância de ter essa compreensão serve para que tenhamos claro que para poder compreender alguém, não basta olhar para alguns (ou vários) comportamentos isolados, não bastam testes de personalidade ou meia-dúzia de palavras. É preciso ver aquele ser humano como uma totalidade, que está inserida num contexto, afetando e sendo afetada por este, e que a sua maneira de perceber o mundo é única e, ainda que ele nos fale tudo que puder ser dito sobre esta realidade, ainda assim não teremos como apreendê-la totalmente (apenas uma aproximação), pois estaremos orientados pela nossa própria percepção. Sempre serão olhares diferentes, ainda que seja a mesma paisagem. 
  Parece algo simples de ser compreendido e colocado em prática, mas não é. Temos a tendência, o vício, de olhar para os comportamentos e personalidade dos outros com a nossa perspectiva e significá-la de acordo com aquilo que faz parte do nosso campo. Perls dizia que "Quanto mais a sociedade exige que o indivíduo corresponda aos seus conceitos e idéias, menos eficientemente ele consegue funcionar" e que "o primeiro e último problema do indivíduo é integrar-se internamente e ainda assim, ser aceito pela sociedade". Por maior que seja o estramento que o outro nos cause com seus comportamentos e atitudes, e por mais que muitas vezes esses comportamentos causem a ele dose grande de sofrimento, de alguma forma agir assim fez sentido para ele um dia... e talvez ainda faça.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

"Vai por mim"

Um amigo o procura pra falar sobre alguns problemas e dificuldades que está tendo. Enquanto o ouve, automaticamente você vai dando interpretações pras coisas que está ouvindo, analisa a situação do seu jeito e devolve para ele com alguma sugestão, conselho ou ponto de vista. Todos já passaram por uma situação assim. O contrário também acontece; você procura alguém para falar sobre suas dúvidas, inquietações e quase sempre, vai ouvir uma opinião ou conselho em troca. Às vezes a "ajuda" nem é solicitada e vem mesmo assim, na forma de "eu só quero o seu bem", "falo isso pra te ajudar", "acho que você deveria fazer assim (ou assado)".
Aprendemos com isso duas coisas que estão tão impregnadas em nossa cultura, que mal nos apercebemos:
- pensamos saber o que é melhor pro outro;
- acreditamos que o outro sabe o que é melhor para nós.
Quem nunca ficou incomodad0 - para dizer o mínimo - de ver alguém querido fazer algo que, de acordo com o nosso julgamento, é danoso ou errado? Quem nunca ouviu dos pais, familiares e amigos "ordens" (às vezes veladas) do que fazer, pois "eles sabem o que é melhor pra você, são mais experientes e só querem o seu bem"? Não raro, quando algo dá errado e nos frustramos, ainda ouvimos um "eu te avisei, mas você não me escuta..." e vamos reproduzindo isso. Compramos a idéia; acreditamos, lá no íntimo, que o outro sabe mais de nós do que nós mesmos, que ele tem as respostas, que saberá o que é melhor para nós.
Somos, ao mesmo tempo, oprimidos e opressores. Por não estarmos em contato, integrados com nossas necessidades, com aquilo que nos pertence e a ninguém mais, invadimos os limites alheios com nossos julgamentos e verdades, bem como somos atropelados em nossos limites pelos julgamentos dos outros.
Quantas e quantas pessoas procuram a terapia esperando que o terapeuta lhes diga o que fazer, que decisões tomar, como agir. E qual não é o tamanho da frustração quando não lhes damos essas respostas...que bom que não lhes damos as respostas! Sinal de que acreditamos na total capacidade do nosso paciente de fazer as escolhas que lhe façam sentido; para ele, não para mim, terapeuta. Caso contrário, somos apenas mais uma pessoa a dizer que sabe mais dele do que ele mesmo; somos mais um opressor.
Para quem quiser refletir mais a esse respeito, outro post que aborda essa questão por um outro viés está aqui.


quinta-feira, 12 de maio de 2011

Oficinas da Saúde

Pessoal, minha colega, dona do Espaço Terapêutico Tanello Picanço está oferecendo algumas Oficinas na área da Saúde e eu estou ajudando a divulgar.
Quem tiver interesse, pode entrar em contato e pegar mais informações no telefone do cartaz!

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Impasses

Quando nos deparamos com algum impasse ou conflito entre duas ou mais opções, geralmente começamos a enumerar uma lista mental (quando não passamos essa lista para o papel) dos prós e contras de cada opção e por final, costumamos decidir por aquela opção que parece mais cheia de prós do que de contras. Não raro, escolhemos a opção "dos males o menor", pois nenhuma das opções disponíveis nos parece atraente e realmente satisfatória.
Além disso, é comum que em situações assim, de impasse, em que nenhuma das opções parece se adequar às nossas necessidades, fiquemos paralisados, como uma corda de cabo de guerra sendo igualmente puxada em direções opostas, absurdamente tensionada e sem sair do lugar.
Ficamos tão angustiados e ansiosos por sair do impasse sem que tenhamos sequer conhecido realmente o lugar em que estamos. Saímos do aqui-e-agora, do momento presente, para nos lançarmos em projeções do futuro que ainda não existe.
Você, leitor, pode argumentar que é ruim ficar nessa angústia, que ninguém gosta de se sentir triste, confuso, em conflito, sem saber pra que lado ir. E eu concordarei com você. Ninguém gosta. Mas vou usar aqui uma metáfora que ouvi dia desses: na vida, temos alguns pântanos e pântanos são atravessados colocando os pés na lama, nos sujando; mas ainda assim, são atravessados.
Na GT tiramos o foco do "próximo passo", ficamos onde estamos e só então partimos para o que é necessário fazer, conhecendo a situação do cliente no aqui-e-agora. Se há conflito, nosso foco não será sobre as várias possíveis decisões a serem tomadas, mas o próprio conflito em si : Como o conflito ocorre? Que forças estão atuando nele? Qual o contexto em volta dele?
Citando Rodrigues (2008),
"(...) quando aplicamos o ponto de vista gestáltico, necessariamente nos perguntamos: você já sabe para onde quer ir ao sair? Você já sabe quais são todas as escolhas possíveis? Para responder a tais perguntas, não podemos 'sair', pois são questões relacionadas ao momento anterior a uma saída. Precisamos ficar para respondê-las."
Quando não conhecemos o lugar onde estamos, suas possibilidades, características, sentimentos, sensações, etc., deixamos de conhecer e compreender verdadeiramente as opções que temos; corremos o risco de fazer uma escolha impensada, que nos levará para um caminho aonde não queríamos realmente estar - é o caso da escolha "menos pior".

Referência: Rodrigues, Hugo Elídio. Introdução á Gestalt-terapia: conversando sobre os fundamentos da abordagem gestáltica. Editora Vozes, 2008.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O novo com novos olhos

É curioso como as mudanças podem ser assustadoras. Quando algo na vida "sai do lugar", toma uma nova configuração ou se reestrutura, levamos um certo tempo para conseguir lidar com essa nova configuração - isso é o que chamamos de crise. Para a psicologia, o conceito de crise é explicado como toda a situação de mudança a nível biológico, psicológico ou social, que exige da pessoa ou do grupo, um esforço suplementar para manter o equilíbrio ou estabilidade emocional. Corresponde a momentos da vida de uma pessoa ou de um grupo em que há ruptura na sua homeostase psíquica e perda ou mudança dos elementos estabilizadores habituais.
A ansiedade e angústia frente às mudanças vêm do desconhecido. Por mais que alguém sinta-se incomodado e encontre-se em sofrimento com determinadas situações em sua vida, ainda assim, este sofrimento e incômodo traz também o conforto de ser conhecido. Mesmo que seja difícil viver dessa forma, a pessoa sente que "já está acostumada" com a situação. No caso de uma mudança, mesmo que seja uma mudança naquilo que mais lhe incomodava, é quase como se lhe faltasse o chão. O não-saber, o deixar ser, largar a mão do controle, é por demais assustador.
Quando alguém procura a psicoterapia incomodado com algo em sua vida, geralmente está experienciando o conflito entre continuar no seu lugar conhecido, embora de sofrimento, e sair desse lugar e lançar-se ao desconhecido. Como já falei em outros posts, o neurose para a GT caracteriza-se justamente na rigidez, na cristalização em uma determinada situação. Viver com fluidez, de maneira saudável, consiste em adaptar-se as diversas situações da vida. Como a árvore que se curva em dias de muito vento para não se partir, mas que retorna à sua posição ereta na calmaria. O novo traz consigo grande oportunidade de crescimento, de aprendizado, quando se olha para o novo com novos olhos.